terça-feira, novembro 14, 2006

Ensaio sobre a cegueira...

Quando o assunto é a consciência individual e o livre arbítrio exercido com responsabilidade e autonomia não há verdades absolutas, realidades estanques ou regras universais que possam ser esgrimidas para impor o que quer que seja, a quem quer que seja. O carácter subjectivo e idiossincrático da vida das pessoas, as razões que as levam a percorrer alguns caminhos em detrimento de outros, os motivos que invocam para avançar ou recuar, para parar ou prosseguir, para interromper os sonhos ou envolver-se na sua concretização é algo de demasiado pessoal para ser sujeito a legislação.
A realidade de cada um de nós e as nossas opções pertencem-nos. Pertencem-nos o nosso corpo, a nossa consciência, a nossas convicções, as nossas ideologias.
O assunto da despenalização da interrupção voluntária da gravidez e o referendo que lhe está subjacente está de novo em discussão em Portugal. Entre argumentos a favor e contra discute-se, quase sempre, o acessório, esquecendo-se o essencial. O verdadeiro cerne da questão.
Parece que sofremos de uma cegueira crónica, uma espécie de entorpecimento colectivo que nos imobiliza face ao óbvio. Analisar a problemática do aborto implica assumi-la como um fenómeno social e enquadrá-la no âmbito dos direitos relativos à sáude sexual e reprodutiva das mulheres. Para lidar com o flagelo do aborto clandestino e a elevada percentagem de mortalidade decorrente da sua prática a Organização Mundial de Saúde e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (entre outras organizações) recomendam veemente que os países desenvolvam medidas alternativas seguras e condignas para as mulheres que decidem, independentemente das razões que as levam a tal decisão, interromper uma gravidez. Portugal tarda em perceber que a questão é apenas e tão somente esta: proporcionar às mulheres condições de segurança e de legalidade, para que tomem as suas opções sem ser sujeitas ao escrutínio público, ao apontar do dedo, ao vexame da acusação judicial.

Aspiro a um país onde a educação sexual e as políticas de planeamento familiar não sejam apenas uma questão de retórica. Mas aspiro igualmente a um país onde as mulheres sejam respeitadas nos seus direitos e não tratadas como criminosas que merecem estar reclusas do seu próprio destino.

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