domingo, maio 27, 2007

De novo a linguagem

Quem se movimenta, do ponto de vista epistemológico, em terrenos pós-modernos ou críticos, quer nas ciências sociais em geral, quer na psicologia em particular, reconhece inevitavelmente o valor da linguagem na construção da realidade social. Não é por acaso que no âmbito destes terrenos epistemológicos, se acentua o potencial performativo dos discursos, assim como se sublinha a sua estreita relação com a definição daquilo que é (ou se pensa poder ser) a normatividade.

Não resisto à tentação de aprofundar os argumentos que me levam a fazer da linguagem que uso uma estratégia de luta contra a discriminação, não só no que toca às questões de género (que tendo em conta os meus interesses de investigação assumem naturalmente para mim mais saliência), mas igualmente no que toca às questões étnicas, de orientação sexual ou de classe social (entre outras).

Vamos então às questões de género:

Quando assumimos que o Homem (e a letra maiúscula é intencional) representa o todo da humanidade estamos a incorrer num tipo de discriminação que não é senão o produto de uma visão androcentrista da realidade social, que exclui as mulheres ou as subordina a um estatuto de menoridade. Assim, a designação Homem, ao invés de pretender apenas englobar (como se defende) os homens e as mulheres, aquilo que faz efectivamente é reforçar a hierarquização de género, demarcando a condição de superioridade dos primeiros.

A recomendação sobre a eliminação do sexismo na linguagem do Comité de Ministros do Conselho da Europa, adoptada a 21 de Fevereiro de 1990, reza assim:

«Persuadido de que o sexismo de que está impregnada a linguagem em uso na maior parte dos Estados Membros do Conselho da Europa - que faz prevalecer o masculino sobre feminino - constitui um entrave ao processo de instauração da igualdade entre as mulheres e os homens, visto que oculta a existência das mulheres que são a maioria da população negar a igualdade da mulher e do homem;
Notando, também, que a utilização do género masculino para designar as pessoas de ambos os sexos é geradora, dentro do contexto da sociedade actual, de uma indefinição quanto às pessoas, homens ou mulheres, em questão;
Consciente da importância do papel que a educação e os média representam na formação das atitudes e dos comportamentos;
Recomenda aos Governos dos Estados Membros que promovam a utilização de uma linguagem que reflicta o principio da igualdade entre as mulheres e os homens e que para isso, tomem todas as medidas que julguem úteis a fim de:
1 - Incentivar a utilização, na medida do possível, de uma linguagem não sexista que tenha em consideração a presença, o estatuto e o papel das mulheres na sociedade, tal como acontece em relação ao homem, na prática linguística actual;
2 - Harmonizar a terminologia utilizada nos textos jurídicos, na administração pública na educação com o principio da igualdade entre os sexos;
3 - Encorajar a utilização de uma linguagem isenta de sexismo na Comunicação Social".

Não podemos esquecer que a nossa linguagem é estruturante. Através dos nossos discursos criamos realidades, construímos diferenças, arquitectamos os processos que nos conduzem à discriminação. Não há neutralidade na construção dos mundos sociais.

Fazer da linguagem uma estratégia de mudança social é pois o caminho para a desconstrução.
A desconstrução das desigualdades que nós próprios/as edificamos, muitas vezes sem ter consciência de que o fazemos.

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