domingo, novembro 05, 2006

Mutilação genital feminina




Há dias atrás foi noticiada a condenação de um homem a 10 anos de pena de prisão, por ter removido o clítoris da sua filha de 2 anos, com uma tesoura. A sentença foi proferida num tribunal no Estado americano da Geórgia e tornou-se rapidamente, como algumas activistas de organizações humanitárias fizeram questão de salientar, uma vitória histórica contra a mutilação genital feminina já que, ao que se sabe, nos EUA é a primeira vez que uma decisão deste tipo tem lugar.
Esta prática, que muitas vezes se escuda no argumento do tradicional, é uma realidade dramática à qual muitas mulheres continuam a estar sujeitas e que constitui um grave atentado à sua dignidade humana, à sua saúde física e psicológica e à sua sexualidade.
Em muitas comunidades, sobretudo africanas, a mutilação genital feminina (conhecida também como circuncisão feminina) é praticada sob o pretexto da preservação da honra feminina. Como todas as manifestações de poder patriarcal, também esta tem como função a privação da liberdade feminina. Mutilar para restringir, para controlar, para dominar... para limitar o desejo, a autonomia. Acredita-se que se as meninas não forem genitalmente mutiladas se tornarão promíscuas e impuras, "sujas" e imorais. Como se a "limpeza" e a "purificação" fosse um ritual de renascimento , um processo de sublimação da "natureza" ou da "condição feminina", um procedimento necessário para "domesticar" quem, por força da sua essência, é devasso e lascivo.
Os argumentos para a prática da mutilação genital feminina são vários. Todos eles criminosos, todos eles ultrajantes. Como se pode, em nome da cultura, ou dos costumes, ou do que quer que seja, decidir pela amputação de membros, de orgãos, de identidades, de liberdades? O que pode justificar tal barbárie?
Portugal não está à margem desta dura realidade. Pratica-se mutilação genital feminina em Portugal. Sabe-se que no seio de algumas comunidades imigrantes provenientes do continente africano a mutilação genital feminina é uma evidência. A jornalista do Público, Sofia Branco, alertou a opinião pública e a classe política para a possibilidade de a excisão feminina estar a ser praticada no nosso país, mais especificamente no seio da comunidade guineense muçulmana. Recebeu inclusivamente um prémio pelo seu magnífico e pioneiro trabalho - Prémio Mulher Reportagem Maria Lamas 2002 - “Mutilação genital feminina — O holocausto silencioso das mulheres".
Não podemos dizer que não sabemos, que nunca ouvimos falar, que não nos diz respeito. O holocausto silencioso das mulheres está mesmo ao nosso lado, à nossa frente. Mas mesmo que não estivesse. Não podemos voltar as costas, cruzar os braços, dizer que nada podemos fazer. A sentença proferida pelo tribunal americano poderia ter sido proferida aqui. Com uma ressalva: A sentença poderia ter sido proferida em Portugal se os direitos das mulheres (como direitos humanos que são) fossem de facto um imperativo constitucional! Até os EUA já perceberam isto!

1 comentário:

Unknown disse...

Boa noite! Estou a fazer um trabalho sobre o tema. Gostei bastante do seu texto e das informações.
É necessário divulgar, porque, como em todos os casos, há sempre quem ignore a realidade.

Mais uma vez, parabéns pelo texto.