quinta-feira, maio 17, 2007

O AMOR

A propósito de uma entrevista que dei ao DN o ano passado tive ocasião de dizer que os crimes passionais, e aquilo que eles representam, são o reflexo de uma lógica sociocultural que tradicionalmente tem menorizado as mulheres e legitimado os homens a castigá-las, inclusivamente com a morte. O mito do amor romântico, que alimenta uma crença social no amor sacrificial por parte das mulheres, e que é um factor de risco para a violência na intimidade, configura uma forma de poder para muitos parceiros que, em nome de uma pseudo-supremacia masculina, usam a coacção física, psicológica e sexual como instrumento de dominação sobre as companheiras.

Fui há muito pouco tempo assistir ao casamento, pela igreja, de uma amiga de longa data.
O discurso que ouvi por parte do padre que celebrou o matrimónio foi arrepiante. A apologia do amor incondicional, que tudo suporta e tudo perdoa, retoma (e fá-lo intencionalmente) o regime do amor sacríficio.
A igreja continua a ignorar as evidências que a realidade lhe apresenta. Em nome desse amor sacrifício, que tudo suporta e tudo perdoa, as mulheres têm sido forçadas a despojar-se dos seus direitos individuais. Têm inclusivamente sucumbido, tombado...porque a promessa do amor romântico tem sido, muitas vezes, uma promessa vã que as leva à morte.

Há umas semanas tive conhecimento de mais um caso de homicídio conjugal.
Depois de matar a mulher com 3 tiros no rosto, o agressor suicidou-se. Quando perguntei se havia conhecimento de uma história de vitimação prévia ao homicídio responderam-me aquilo que já previa. Sim, esta mulher era vítima de violência conjugal. Uma vítima crónica, como a maioria das mulheres. Uma vítima a quem o agressor fez questão de mutilar a identidade, desfazendo-lhe o rosto. Não bastava apenas matá-la.

O amor não pode continuar a ser usado como escudo da opressão.
O amor não pode ser sacrifício.
O amor não pode ser a cruz que se carrega, que as mulheres carregam.
O amor só pode ser IGUALDADE.

1 comentário:

Ludovina Azevedo disse...

A figura da mulher até nos provérbios populares vem associada ao matrimónio, muito deles com o sentido de posse e submissão.
Se os provérbios são considerados a sabedoria do senso comum, eu prefiro ser analfabeta.
Um abraço,
Ludovina