quarta-feira, março 12, 2008

Nós

Estamos a dias da sessão de lançamento do meu livro.
Muitas são as razões que têm feito com que reflicta ultimamente sobre o percurso que me levou a escrevê-lo. Um percurso feito de opções nem sempre politicamente correctas porque academicamente marginais.

Nasci para os feminismos já depois de ter concluído a licenciatura.
O meu primeiro contacto (no verdadeiro sentido da palavra contacto) com a história dos feminismos despontou em mim um sentimento de enamoramento, típico de quem se apaixona por uma vida que desconhece. Fui levada a este mundo de possibilidades muito por influência da Conceição (a minha querida professora Conceição Nogueira), mas sobretudo por influência das mulheres vítimas de violência com quem trabalhava na altura, com as quais partilhava o espaço e o pensamento, e que mereciam de mim mais do que o desabrochar da profissional competente (atenta, mas nem sempre implicada como deveria).

Tomar consciência dos caminhos desbravados e das conquistas árduas, das lutas difíceis e desiguais, da opressão sofrida (real ou simbólica), dos sonhos idos em prol dos sonhos vindouros fez-me sentir parte de um movimento que não vi emergir, mas que cedo soube querer alimentar.
Fui vestindo aos poucos a pele que hoje é minha, assumindo a minha quota parte de responsabilidade nesta jornada cheia de espinhos e aprendendo a lidar com o olhar de desconfiança (e tantas vezes de malícia) de quem nada sabe do que de facto significa ser feminista. As resistências dos outros depressa cimentaram as minhas certezas quanto ao que ainda está por construir (o que há-de vir...). E a estrada é longa... Em vez de me fazer recuar, o escudo grosseiro dos outros, usado para evocar uma qualquer necessidade de protecção contra aquilo que acreditam ser uma variante de um qualquer fanatismo, tem-me feito avançar. É comum que as garras se aticem perante a palavra "feminista"...como se ser feminista signifique fazer parte de uma espécie em vias de extinção...e que urge extinguir!

Temos tendência a esquecer que antes de nós, algures no tempo, alguém perdeu a voz para que hoje possamos fazer uso dela. Sei hoje que esta minha caminhada enquanto mulher só é possível graças às caminhadas de outras mulheres feministas. Devo-lhes o reconhecimento. Mas devo-lhes mais do que isso. E é sobretudo por este "mais do que isso", e que é intraduzível, que continuo a avançar.

Há em nós - essa espécie que em vez de se extinguir, se está a renovar - um quê de optimismo inquebrável. As garras que se atiçam e que nos arranham de vez em quando não fazem mais do que isso mesmo...arranhar-nos de vez em quando.

1 comentário:

Unknown disse...

Revejo-me completamente nesta reflexao...Admito que grande parte das minhas duvidas se prendem com a imagem distorcida que têm os feminismos, ainda são vistos como as "queima soutiens", o que me assusta muito. Aprendi consigo que ser feminista não é ser extremista mas sim lutar por uma sociedade igualitária...
Contudo mais uma vez devo admitir que me deparo muitas vezes com discursos que colocam as feministas num plano minoritário...
Julgo que falta um longo caminho na desconstrução do que são os feminismos...

Até amanha...(onde mais uma vez vou subir um degrau na desconstrução do que são os feminismos)