quinta-feira, julho 03, 2008

O Senhor Bicho-Homem (sem desprimor pelos bichos...)

"O nosso feminismo tem algumas coisas em que faz lembrar um machismo ao contrário e alimenta-se de estatísticas desactualizadas, verdades mortas e indignações fáceis a partir da simplificação ou adulteração das coisas"

Nosso feminismo?
Julgará este SENHOR que o feminismo tem alguma coisa de seu?

Não sou certamente uma verdadeira senhora. Já o sabia, mas se dúvidas tivesse, teriam sido todas elas dissipadas após a leitura deste texto. Dizia sarcasticamente a Prof. Lígia Amâncio na abertura do Congresso Feminista 2008 que muito se tem apelado, ao longo da História, a essa característica própria das verdadeiras senhoras: a paciência. Talvez o título desta crónica quisesse fazer juz a essa qualidade. Como já não tenho paciência, presumo que não sou uma verdadeira senhora.

Esta obra prima, da autoria de um verdadeiro exemplar de bicho-homem - de peito aberto como se querem os machos de facto, capaz de amparar com a sua pujança todas as balas que lhe forem dirigidas- é um documento a emoldurar, qual quadro raro, no museu do machismo. (Ainda não há um museu do machismo??? Criem um depressa, por obséquio, não vá essa falta ser considerada mais uma forma de feminismo entranhado, desta feita não nas leis mas na cultura deste país!)

Diz no seu texto a máscula criatura que as organizadoras do congresso justificam a sua realização: 1. Pela situação das mulheres no mundo (ou no submundo, como faz questão de corrigir)
2. Por razões internas (que evocam em versão disco riscado).

De repente ficamos elucidadas/os sobre duas questões fundamentais: primeira, os problemas das mulheres confinam-se a um submundo e, por isso, não faz sentido discuti-los a uma escala global; segunda, a situação das mulheres não comporta temas femininos ("a lapidação, a excisão, a pobreza extrema, o tráfico de mulheres, o aborto"), mas de Direitos Humanos, e por isso não faz sentido serem as mulheres a querer resolvê-la.

"Não é preciso ser mulher para achar aberrante a lapidação islâmica ou a excisão praticada em algumas tribos de África". Tem toda a razão. Mas é preciso ser mulher para se ser vítima de lapidação ou de excisão em algumas tribos em África.
Tem toda a razão também quando diz que a situação das mulheres é matéria de Direitos Humanos. O que são os Direitos das Mulheres senão Direitos Humanos?

Descobrimos outra coisa neste documento revelador (eu ter-lhe-ia chamado TODA A VERDADE SOBRE O FEMINISMO): o padrão dominante do macho-luso é residual. Mais: se ainda existem machos-luso, a culpa é das mulheres, que escolhem mal as companhias.

Outra extraordinária surpresa contém este documento: a desigualdade é pura ficção. Somos todos e todas, os e as feministas, uma cambada de mentirosos/as (ou se quiserem de esquizofrénicos/as alucinados/as). Inventamos tudo, adulteramos dados, desactualizamos estatísticas, proliferamos verdades mortas. Indignamo-nos com facilidade, simplificamos...

Desemprego e pobreza no feminino? Trabalho igual com salários diferentes? Triplas jornadas? Défices de representação? Violência contra as mulheres? Ausência de conciliação?
Tudo não passa de um delírio nosso. As próprias evidências científicas não passam de uma mera ilusão.

As quotas parecem ser, para esta mente iluminada, mais uma estratégia de afirmação da nossa insanidade. Quotas? Quem nos garante que as quotas não vão promover a mediocridade, em nome da igualdade de sexos, pergunta o senhor bicho-homem ?
Promover o quê? Pergunto eu? Não é preciso promover o que já existe! Ou garante-me o Senhor Miguel Sousa Tavares que os homens do poder não são medíocres?
Quando as mulheres medíocres chegarem ao poder nas mesmas circunstâncias que o homens lá chegam talvez a igualdade tenha sido efectivamente alcançada.

"Porquê quotas a favor das mulheres e não de outros segmentos da sociedade onde a discriminação é muito mais efectiva e não dispõe de lóbi nem voz activa, como os deficientes e doentes crónicos, os de outra raça, os estrangeiros imigrados ou os de mais de 45 anos, para quem o mercado de trabalho se fecha a sete chaves?"
Porquê as mulheres? Imagino que a pergunta seja retórica...

Os de outras raças? Os humanos - homens, mulheres e outros segmentos da sociedade - fazem todos/as parte de uma única raça: a HUMANA. Embora nem todos/as tenham o direito a ser tratados/as como tal e para o contrariar tenham que reivindicar quotas.

Meu Senhor: os feminismos nunca poderiam ter nada de seu.

7 comentários:

x-pressiongirl disse...

Muito bom!
A crónica de MST não surpreende muito quem já se habituou ao discurso da vítima que gosta de atacar. E fê-lo gratuita e despudoradamente, usando argumentos que só podiam ser tirados da cabeça desses mesmos machos que ele apelida de más companhias (e que, segundo ele, são uma minoria, claro o senhor só conhece gente fina). Chega a ter piadaa frase que ele afirma ter proferido perante uma senhora indignada com as atitudes de alguns homens: "Mas que belas companhias que você frequenta! Por que não muda antes de amigos, já que não quer mudar de verdades?". As amigas deste senhor, se é que as tem, deviam seriamente ponderar que amigos andam a fazer.
saudações x-pressivas,

x-pressiongirl

João Manuel de Oliveira disse...

ainda pensei responder, mas está tudo dito aqui. Grande Sofia!

Ludovina Azevedo disse...

Eu diria que um silêncio por parte deste senhor valeria mais que mil palavras, porque cada palavra que cita é um quilometro de ignorância narcísica que vende, ou tenta vender.

Um abraço,

Ludovina

Ludovina Azevedo disse...

E já agora, desabafo uma das maiores perplexidades dos meus ultimos tempos. Não estava com uma amiga há anos, quando finalmente consegumimos encontrar-nos, pergunta-me o que me ressaltou mais no curso de Psicologia. A minha resposta foi questões" feministas" principalmente. Responde-me ela: Não te conhecia como pessoa de exageros!!

(......)


Abraço!

Ludovina

Marita Moreno Ferreira disse...

olhe, a mim, que já não me acode sequer indignação quando o MST abre a boca para as suas cansativas perorices, sabe-me bem que alguém tenha ainda energia para escrever contra essas e outras patacoadas.

FuckItAll disse...

Bem vinda ao clube das não-senhoras, Sofia...

Sónia Oliveira disse...

Só hoje depois de mudar as palavras-chave no google, encontrei o texto desse senhor transcrito numa pagina web. Quanta ignorância... Que triste criticar-se assim, gratuitamente, algo que se desconhece, quando se pensa que se conhece. Quantas questões falaciosas por este homem levantas...
O texto da professora Sofia contem muito do que muitas ou muitos de nós gostaríamos de ter dito.
Um abraço